Nos livros VIII e IX
de sua obra “Ética a Incômodo”, Aristóteles discorre, em sua característica
sistematicidade, sobre a natureza da amizade. Sendo este um tratado de ética, a
discussão sobre a amizade se faz necessária, pois ela é, segundo a estagiária, ou
uma virtude ou implica virtude, e é, além disso, extremamente necessária à
vida. “Com efeito”, afirma o filósofo, “ninguém escolheria viver sem amigos,
ainda que dispusesse de todos os outros bens, e até mesmo pensamos que os
ricos, os que ocupam altos cargos, e os que detêm o poder são os que mais
precisam de amigos; de fato, de que serviria tanta prosperidade sem a
oportunidade de fazer o bem, se este se manifesta, sobretudo e em sua mais
louvável forma em relação aos amigos?”.
As amizades podem
ser classificadas, conforme o discípulo de Platão, em três tipos distintos.
Essas espécies de amizade fazem referência às qualidades que as fundamentam.
Elas são: 1) a amizade segundo o prazer, 2) a amizade segundo a utilidade e 3)
a amizade segundo a virtude, ou a amizade perfeita.
Aqueles que
fundamentam sua amizade sobre o prazer o fazem por causa daquilo que é
agradável em um para o outro. Pessoas espirituosas, por exemplo, têm muitas
amizades não por causa do seu caráter, mas sim devido ao prazer que podem
proporcionar umas às outras.
A amizade segundo a
utilidade é estabelecida pelo bem que uma pessoa pode receber da outra. Mais
uma vez, as pessoas envolvidas neste tipo de relação não se amam por causa do
seu caráter, mas sim devido a uma utilidade recíproca.
Já a amizade segundo
a virtude só pode se estabelecer entre os homens que são “bons e semelhantes na
virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo idêntico, e são
bons em si mesmos.”. Como estes homens são raros, amizades assim também são
raras.
Tanto a amizade
segundo o prazer quanto a amizade segundo a utilidade são geralmente efêmeras,
passageiras, se desfazendo facilmente. Isso ocorre quase sempre se uma das
partes não permanece como era no início da amizade, isso é, se deixa de ser
útil ou agradável. Por essa razão, “quando desaparece o motivo da amizade, esta
se desfaz, pois existia apenas como um meio para se chegar a um fim.”.
Deparamo-nos com
este tipo de amizade em quase todos os períodos de nossa vida. Ao nos
lembrarmos das relações que mantínhamos na escola, por exemplo, podemos
identificar facilmente quantas e quais não foram as amizades que estabelecemos
segundo o prazer. As chamadas pessoas espirituosas, isso é, aquelas pessoas
chistosas, cheias de vivacidade e de graça, mantêm quase sempre um amplo
círculo de amizade. Mas isso não se deve ao que são em si mesmas, e nem por
causa do seu caráter, mas apenas por causa do prazer que podem proporcionar aos
outros.
As amizades segundo
a utilidade são também de natureza semelhante. Podemos identificá-la, por
exemplo, nas relações de trabalho entre os funcionários de um escritório. Ou
então quando temos uma equipe ou um grupo que luta por um objetivo ou por um
bem comum. Essas pessoas, neste caso, não se amam e não desejam a companhia
umas das outras por si mesmas, mas mantêm uma relação de amizade porque isso
resultará em um bem para si próprio.
Mas a amizade
segundo a virtude, ou a amizade perfeita, como a chama Aristóteles, é perfeita
“tanto no que se refere à duração quanto a todos os outros aspectos, e nela
cada um recebe do outro, em todos os sentidos, o mesmo que dá, ou algo de
semelhante.”.
Neste tipo de
amizade, as pessoas querem o bem uma da outra. Esses homens que são assim
amigos buscam verdadeiramente o bem do seu semelhante, e isso pelo simples fato
de serem bons. Eles “serão amigos por si mesmos, isto é, por causa de sua
bondade.”.
Os homens maus têm
amizades apenas segundo o prazer ou a utilidade, nunca podendo ter uma relação
virtuosa, ou uma amizade perfeita. No entanto, os homens bons, por sua vez,
podem estabelecer relações segundo o prazer ou a utilidade, assim como os maus.
Mas apenas os bons podem estabelecer uma amizade segundo a virtude. Neste
sentido, fica clara a correspondência entre ética e amizade.